Ou como eu aprendi a pegar leve comigo mesmo
Se tem uma coisa que eu fiz, e muito bem feito, durante esse período de pandemia pré-vacina foi procrastinar. Meu veículo favorito de procrastinação foi o YouTube. Conheci diversos novos canis. e apensar de agora eu estar muito focado em conteúdo sobre jogos de tabuleiro, uma área onde eu também invisto a meu potencial criativo, chegando a consumir até mais de 4 horas de vídeos de anúncios, regras, unboxing e gameplays por dia.
Pouco tempo atrás, em um momento de ócio durante o meu expediente de trabalho, tive contato com um canal de comida de rua asiática. o canal era apenas isso:
Alguém parado em frente a uma barraca ou restaurante observando o processo de preparo de alguma guloseima. Recomendo demais.
Em dado momento no último bimestre, eu me reconectei com o Ryan George, especificamente com seus vídeos de Pitch Meeting, em que ele geralmente contracena consigo mesmo interpretando dois papéis, o de um roteirista e o de um produtor. Apesar de, implicitamente, os dois personagens não serem os mesmos (apesar de ambos manterem os nomes de Screenwriter Guy e Studio Executive Guy, independentemente de qual década ou em qual estúdio estejam), a dinâmica entre as duas personagens é exatamente a mesma, inclusive usando os mesmos e divertidos bordões.
O que me levou a este texto não foi o fato de Ryan George interpretar dois personagens e contracenar com ele mesmo – fora todo o trabalho de produção e pós-produção, coisa que ele faz na grande maioria do conteúdo de seu canal, chegando a me parecer estranho quando veja a participação de um elemento alheio. Mas a dinâmica do quadro Pitch Meeting me deu uma nova perspectiva de trabalho e de lazer.
Um pitch meeting é uma reunião onde você possui poucos instantes para expor o seu argumento. É muito associada ao show business, onde você tem que conquistar um investidor para que ele embarque em seu projeto, seja uma peça, um filme, algum empreendimento que exija uma soma de valores além do que você tem disponível para perder. Para escritores nós também podemos citar a sinopse que enviamos para agências e editoras, a sinopse deve ser breve e contar o nosso enredo do início ao fim. Claro que depois o produto deverá ser trabalhado. Às vezes a editora se interessa por qualquer outro aspecto que você demonstrou na sua sinopse além da sua história em si, e você é convidada a tocar algum projeto dela.
Para Screenwriter Guy a dinâmica não é diferente. Ele tem pouquíssimo tempo para explicar todas as minúcias do roteiro que está apresentando. Bem, todas as minúcias é uma forma exagerada de falar. É daí que surgem os bordões mais divertidos deles.
Alguma cena acabou por contradizer algo definido anteriormente no roteiro?
Se o Studio Executive Guy insiste em algum questionamento sobre o funcionamento das leis, naturais ou não, e como uma cena é possível dentro da trama, Screenwriter Guy sempre tem um pedido:
Às vezes a pergunta nem é tão difícil. Para essas Screenwriter Guy tem sempre uma boa resposta:
Ou:
Pelo menos Studio Executive Guy é compreensivo, na maioria das vezes:
E sabE sabe aqueles momentos da jornada do herói, tipo “Aproximação da Caverna Oculta” ou “Provação Suprema” onde tudo será posto à prova e a vitória do herói não é certa, mas é esperado que ele a conquiste pagando um preço alto? Bem…
E Ryan George faz esse tipo de gag não apenas com filmes de baixo orçamento, como Sharknado, ou filmes B galhofa, como os Velozes e Furiosos, mas também com a nata do entretenimento Cult como Tenet ou A Origem.
Uma análise bem humorada de detalhes dos filmes, principalmente decisões de roteiro, que podem ser considerados furos. Alguns são bem fatais para a obra, como o fato de Buzzlightyear, coprotagonista do clássico Toy Story, não se aceitar como um brinquedo e ainda assim ficar imóvel quando Andy e outras pessoas aparecem em cena. Aspectos mais gerais também são abordados como as coincidências que fazem um filme andar (“O filme tem que acontecer”), as coisas simples de fazer que as personagens não conseguem fazer (“O filme ainda está no começo”) e de repente eles conseguem, ou um rival se torna aliado, ou aquele casal se beija em meio ao perigo mortal (“O filme está perto de acabar”). Algo está indo contra a natureza da personagem ou as leis da física? Facilmente explicável por “Eu escrevi que sim”. Como a ciência funciona? Como o roteirista quer que funcione. Quais as chances de duas pessoas se esbarrarem duas vezes no Central Park? Aparentemente são de 1/200.
E nada dessas coisas fazem os filmes deixarem de ser o que são: Um sucesso. São filmes que arrastaram multidões para os cinemas, que estabeleceram franquias e sustentaram carreiras. Todos possuem erros e falhas, basta assistir com o olhar certo. Ou não.
Para mim ficam algumas lições: Não levar o entretenimento tão a sério. E eu sou escritor de entretenimento, não deveria me levar tão a sério.
Por vezes eu fico empacado em uma história buscando a motivação de uma personagem para a ação. E isso tem me prejudicado. Meu plano inicial, como eu já falei antes nesse mesmo blog, era escrever dois contos por ano, seguir o fluxo de lançamento de uma HQ. Um capítulo por mês. Mas eu não consigo. Lancei três contos de 2016 para cá, e estou escrevendo um desde 2018. Já está pronto, na verdade em fase de revisão. Irá se chamar Nó Cego & A Caçada do Jaraguá, e estou preso em detalhes que poderia responder como Sreenwriter Guy responde em qualquer filme do MCU.
P: Por que o Jaraguá está atacando?
R: Para a história acontecer.
P: Por que ele não atacou antes?
R: Porque não.
P: E como conseguiram derrotar ele antes, mas agora não conseguem?
R: Bem, eu vou precisar que você pare de pegar no meu com esse assunto.
P: Ok. Mas será explicado como o Jaraguá surgiu, não é?
R: Não.