Minhas Aulas de Roteiro com Ryan George

Minhas Aulas de Roteiro com Ryan George

Ou como eu aprendi a pegar leve comigo mesmo

Se tem uma coisa que eu fiz, e muito bem feito, durante esse período de pandemia pré-vacina foi procrastinar. Meu veículo favorito de procrastinação foi o YouTube. Conheci diversos novos canis. e apensar de agora eu estar muito focado em conteúdo sobre jogos de tabuleiro, uma área onde eu também invisto a meu potencial criativo, chegando a consumir até mais de 4 horas de vídeos de anúncios, regras, unboxing e gameplays por dia.

Pouco tempo atrás, em um momento de ócio durante o meu expediente de trabalho, tive contato com um canal de comida de rua asiática. o canal era apenas isso:

Alguém parado em frente a uma barraca ou restaurante observando o processo de preparo de alguma guloseima. Recomendo demais.

Em dado momento no último bimestre, eu me reconectei com o Ryan George, especificamente com seus vídeos de Pitch Meeting, em que ele geralmente contracena consigo mesmo interpretando dois papéis, o de um roteirista e o de um produtor. Apesar de, implicitamente, os dois personagens não serem os mesmos (apesar de ambos manterem os nomes de Screenwriter Guy e Studio Executive Guy, independentemente de qual década ou em qual estúdio estejam), a dinâmica entre as duas personagens é exatamente a mesma, inclusive usando os mesmos e divertidos bordões.

O que me levou a este texto não foi o fato de Ryan George interpretar dois personagens e contracenar com ele mesmo – fora todo o trabalho de produção e pós-produção, coisa que ele faz na grande maioria do conteúdo de seu canal, chegando a me parecer estranho quando veja a participação de um elemento alheio. Mas a dinâmica do quadro Pitch Meeting me deu uma nova perspectiva de trabalho e de lazer.

Um pitch meeting é uma reunião onde você possui poucos instantes para expor o seu argumento. É muito associada ao show business, onde você tem que conquistar um investidor para que ele embarque em seu projeto, seja uma peça, um filme, algum empreendimento que exija uma soma de valores além do que você tem disponível para perder. Para escritores nós também podemos citar a sinopse que enviamos para agências e editoras, a sinopse deve ser breve e contar o nosso enredo do início ao fim. Claro que depois o produto deverá ser trabalhado. Às vezes a editora se interessa por qualquer outro aspecto que você demonstrou na sua sinopse além da sua história em si,  e você é convidada a tocar algum projeto dela.

Para Screenwriter Guy a dinâmica não é diferente. Ele tem pouquíssimo tempo para explicar todas as minúcias do roteiro que está apresentando. Bem, todas as minúcias é uma forma exagerada de falar. É daí que surgem os bordões mais divertidos deles.

Alguma cena acabou por contradizer algo definido anteriormente no roteiro?

Whoops Whoopsie on Make a GIF
Opa
Uepa

Se o Studio Executive Guy insiste em algum questionamento sobre o funcionamento das leis, naturais ou não, e como uma cena é possível dentro da trama, Screenwriter Guy sempre tem um pedido:

I watched TENET last night. | Radio Gunk
Saia do meu pé e não me pergunte mais sobre isso

Às vezes a pergunta nem é tão difícil. Para essas Screenwriter Guy tem sempre uma boa resposta:

Top 30 Pitch Design GIFs | Find the best GIF on Gfycat
Porque sim.

Ou:

Ryan George Dont Know GIF - RyanGeorge DontKnow IDontKnow GIFs
Eu sei lá

Pelo menos Studio Executive Guy é compreensivo, na maioria das vezes:

Well Ok Then Pitch Meetings GIF - WellOkThen PitchMeetings ScreenRant GIFs
Então tá

E sabE sabe aqueles momentos da jornada do herói, tipo “Aproximação da Caverna Oculta” ou “Provação Suprema” onde tudo será posto à prova e a vitória do herói não é certa, mas é esperado que ele a conquiste pagando um preço alto? Bem…

Ryan George GIF - Ryan George Pitch GIFs
Na verdade é superfácil, um mero inconveniente
Oh Really Wow GIF - OhReally Really Oh GIFs
Ah é mesmo?

E Ryan George faz esse tipo de gag não apenas com filmes de baixo orçamento, como Sharknado, ou filmes B galhofa, como os Velozes e Furiosos, mas também com a nata do entretenimento Cult como Tenet ou A Origem.

Uma análise bem humorada de detalhes dos filmes, principalmente decisões de roteiro, que podem ser considerados furos. Alguns são bem fatais para a obra, como o fato de Buzzlightyear, coprotagonista do clássico Toy Story, não se aceitar como um brinquedo e ainda assim ficar imóvel quando Andy e outras pessoas aparecem em cena. Aspectos mais gerais também são abordados como as coincidências que fazem um filme andar (“O filme tem que acontecer”), as coisas simples de fazer que as personagens não conseguem fazer (“O filme ainda está no começo”) e de repente eles conseguem, ou um rival se torna aliado, ou aquele casal se beija em meio ao perigo mortal (“O filme está perto de acabar”). Algo está indo contra a natureza da personagem ou as leis da física? Facilmente explicável por “Eu escrevi que sim”. Como a ciência funciona? Como o roteirista quer que funcione. Quais as chances de duas pessoas se esbarrarem duas vezes no Central Park? Aparentemente são de 1/200.

E nada dessas coisas fazem os filmes deixarem de ser o que são: Um sucesso. São filmes que arrastaram multidões para os cinemas, que estabeleceram franquias e sustentaram carreiras. Todos possuem erros e falhas, basta assistir com o olhar certo. Ou não.

Para mim ficam algumas lições: Não levar o entretenimento tão a sério. E eu sou escritor de entretenimento, não deveria me levar tão a sério.

Por vezes eu fico empacado em uma história buscando a motivação de uma personagem para a ação. E isso tem me prejudicado. Meu plano inicial, como eu já falei antes nesse mesmo blog, era escrever dois contos por ano, seguir o fluxo de lançamento de uma HQ. Um capítulo por mês. Mas eu não consigo. Lancei três contos de 2016 para cá, e estou escrevendo um desde 2018. Já está pronto, na verdade em fase de revisão. Irá se chamar Nó Cego & A Caçada do Jaraguá, e estou preso em detalhes que poderia responder como Sreenwriter Guy responde em qualquer filme do MCU.

P: Por que o Jaraguá está atacando?

R: Para a história acontecer.

P: Por que ele não atacou antes?

R: Porque não.

P: E como conseguiram derrotar ele antes, mas agora não conseguem?

R: Bem, eu vou precisar que você pare de pegar no meu com esse assunto.

P: Ok. Mas será explicado como o Jaraguá surgiu, não é?

R: Não.

Screen Rant Wow GIF - ScreenRant Wow WowWowWow GIFs

Eu e a Censura Estatal

Por medo de ser preso eu vou prender essa história

Não é de hoje que o nosso brasil vem passando por momentos difíceis e conturbados. Também não é de hoje que eu venho tentando emplacar uma carreira de escritor. Certa feita, em um momento de ócio em meu trabalho, surgiu-me a ideia de escrever um conto polêmico e, quem sabe, alavancar a minha carreira.

Estamos vivendo um momento de inflação, perda do poder de compra, retorno da fome e empobrecimento dos mais pobres. Acontecendo ao largo de tudo isso está a nossa arte. Apesar de vermos um ou outro artista se posicionar em suas redes sociais contra o governo federal (você não, Juliana Paes) e suas atitudes de desmonte da educação, do meio ambiente, das populações em situação de risco, da cultura (área de interesse dos artistas!) para citar apenas quatro de seus vinte e um ministérios, não vemos nenhuma manifestação artística de grande vulto.

Não vemos um Chico Buarque com composições fortes, algumas cifradas, outras nem tanto. Não desmereço o trabalho de Tico Santa Cruz e os Detonautas, mas eu interpreto como pouco, se não insuficiente. (PS. Reservo-me no direito de ser ignorante sobre as outras iniciativas que não conseguiram perfurar a bolha em que certamente me coloquei).

Como se estivesse tudo bem o brasil teve o azar de enfrentar a maior pandemia do século,até agora, sob a regência de um imbecil corrupto e inepto. Todas as decisões do nosso PR¹ foram equivocadas, quando não deliberadamente focadas em causar o maior estrago e desperdício de vidas por motivos de “sabe-se lá Deus o que diabos pensa essa gente” (na minha interpretação, há muito de maldade e um tanto de burrice na equação do MO da cúpula de nosso governo federal).

Se já não bastasse, nem as atitudes dessa corja de energúmenos é novidade. No início do Séc XIX o Brasil recebeu em seus portos pessoas contaminadas com a H1N1, chamada à época de gripe espanhola, e a doença se espalhou por todas as cidades do país, causando mortes enquanto charlatões vendiam medicamentos ineficazes contra a gripe, e empresários brigavam contra a redução da circulação de pessoas, indicada para redução do contágio.

Estavam aí os elementos que me inflamaram a escrever uma história colocando os meus personagens cangaceiros metahumanos em um surto tardio de H1N1 em uma fazenda de plantação de cacau. Na história Nó Cego, Comadre Fulozinha, Mussurana e Vingança atendem o chamado de socorro de um médico para assassinar o coronel, personagem sem nome, o maior responsável pela disseminação do vírus e espalhamento da doença, tudo para não atrasar a colheita de cacau e o seu embarque para a exportação. Há ainda o agravante de um quilombo, localizado nos arredores da terra, deslocado justamente por conta de uma escritura falsificada por poderosos companheiros do tal coronel, inclusive a patente de coronel dos pelotões patrióticos do vilão da história fora comprada. O vilão possuí três filhos idiotas. Um relacionado com os jagunços da fazenda, um com a contabilidade criativa do empreendimento de cacau, e o filho do meio é o cabeça de toda a operação. O final da trama, que passa por um incêndio na mata, uma casa de vidro e um contador burro de dar raiva, se dá com a população da fazenda descobrindo que o coronel não é sequer um ser humano, mas sim um construto senciente (duvido) de fezes; com a descoberta, vem a fúria, e as pessoas se libertam do jugo infernal.

A intenção era, realmente, polemizar. Eu iria lançar o conto de forma gratuita no Wattpad, iria agradar quem por ventura tenha a mesma sensatez de pensamento de que a falsa dicotomia entre economia e vida/morte só faz diferença mesmo para os mais pobres: se o dono do Mamadeiro fechar seus restaurantes ele não irá dormir na rua, e se ele pegar COVID-19 irá se tratar em um hospital temático. Se o texto atingisse algum telespectador do Sikera Junho, este iria espalhar em diversos grupos e atrair os fogos de artifício de sua turba ignorante contra a minha arte, consequentemente chamando a atenção de pessoas de todo espectro político para a minha obra e meu nome.

O problema vem da famigerada lei de segurança nacional, que serve apenas para proteger o PR¹ de ouvir críticas. Não há alegorias na minha história, tá tudo lá: A milícia, o roubo de terras, o desmatamento, o genocídio de populações marginalizadas, os filhos idiotas, o economistas preconceituoso e burro, o comércio de chocolates e imóveis para a lavagem de dinheiro, as falas carregadas de mau caratismo. Nunca que eu conseguiria ficar de frente a um juiz e convencê-lo de que eu não estava falando do PR¹ e seus filhos idiotas no meu conto? E mesmo um juiz agindo de forma sensata, temos ainda que lutar contra alguns policiais, a milicia fardada paga com impostos, que prendem professores e agridem manifestantes ante a menor das provocações. Deus milive da interpretação que eles iriam dar ao final do meu conto.

E eu perdi, com muito desgosto, a chance de dar uma de Simpsons da escrita independente, pois o PR¹ acabou sendo internado essa semana por estar recheado de bosta. Paciência.

Eu sou um covarde. Infelizmente preciso admitir. Estou confortável com meu Ouro de Tolo. Construindo uma casa, planejando um filho, sonhando em ganhar dinheiro com a escrita. Em minha cidade espalharam vários outdoors com a cara feia e enrugada do PR¹. Se eu fosse solteiro já teria cagado em um saco e atirado naquela imagem desgracenta, mas penso em ser preso e até perder meu emprego e atrapalhar a vida pacata de minha esposa. Felizmente há pessoas com coragem o suficiente na minha terra, e todos os outdoors que vejo no meu caminho diário já estão manchados de tinta vermelha. Pode não haver uma censura organizada em um departamento como é o Gabinete do Ódio, mas as ações de de cães de guarda como o Poste Geral da República e o Ministro Terrível-mente foram o suficiente para me amedrontar.

Fico me perguntando quantos covardes somos ao todo. E até quando precisaremos nos esconder por medo de um servidor público e seus fanáticos.

¹Pequi Roído

Primeiro de Abril

Capítulo bônus extraído de meu livro: O Cachorro Mais Caro do Mundo (em andamento no Wattpad)

Dois mil e vinte foi realmente um ano desgraçado. Com exceção dos grandes bancos que atuam no Brasil, ninguém teve um ano bacana. Minha produção de escrita caiu muito e abandonei diversos trabalhos e projetos, O Cachorro mais Caro do Mundo foi um desses. Só esses dias tive uma ideia de como retomar esse projeto em um capitulo aleatório. Ao mesmo tempo, essa ideia, me deu a dimensão do buraco temporal no qual estamos vivendo. (Digo estamos se você é como eu, e está sem sair de casa para eventos sociais desde o dia um da pandemia; agora se você é da galera que tá curtindo festinha, como as fotos que acabei de ver no Twitter, você está em um buraco moral. Vaza daqui!).

Ontem minha esposa me pregou uma peça de primeiro de abril. Da mesma forma que eu gosto dos americanismos para justificar certas decisões, como o título desse livro, por exemplo, eu adaptei o dia da mentira (hoje conhecido como bolsonaroday) para o dia dos tolos (antigamente conhecido como April’s fools).

Então, para mim, a parada não é chegar e contar uma mentira como “bati o carro” ou “nunca fui contra a vacina”, e sim bolar uma pegadinha que rendesse além do primeiro diálogo. Para citar um exemplo bem saudável: um dia troquei o recheio de um biscoito por creme dental.

Se você é apressadinho já deve estar se perguntando se eu fiz alguma sacanagem com Ga Du, e eu já digo de pronto: Tá endoidando? Que tipo de pessoa pensaria em fazer uma pegadinha com um cachorro? Na minha cabeça, quem engana animal está a um passo de sair de casa no meio de uma pandemia, enquanto o país encara a maior quantidade de mortos diários da história, e ir para uma balada clandestina por motivos de “saúde mental”. Se trate.

Enfim. Antes de Ga Du entrar na história, quero falar da minha irmã, Yhasmin. Na verdade é apenas uma frase dela que eu queria destacar. Certa vez ela me definiu como sendo o Didi (O Renato Aragão (O Doutor Renato)). Eu bolo pegadinhas para todo mundo e ninguém consegue me pegar; eu sempre descubro a festa surpresa e qual presente vou receber, apenas para citar o desespero da minha esposa. E falado nela, justamente ontem, em 2021, ela me pegou no primeiro de abril.

Minha esposa, Kássia, me mandou um zap no trabalho dizendo que havia encomendado os ovos de páscoa em uma franqueada que é um show, pois nosso plano de comprar locar foi por água abaixo por motivos de demoramos. O problema é que quando estávamos na pesquisa, ovos na faixa de R$65,00 (Ou U$2,00-10) eram classificados como caros por mim e por ela. Aí no dia seguinte ela me mete que comprou por R$300,00 (que no dia seguinte seguiam valendo U$2,00-10). Tomei um susto! E só no dia 1° ela informou da brincadeira e pediu logo que eu divulgasse que caí. Sei que não foi bem isso que ela quis dizer, mas cá estou eu, marcando para sempre essa divulgação.

E misturado ao alívio de não precisar realmente desembolsar U$2,00-12 (Cotação da data em que escrevo) me veio a sensação de ter perdido uma tradição ao não ter desempenhado meu papel de Didi em 2020. Desde já estou me aquecendo para meu retorno triunfal em 2022.

Agora, vamos ao tema do capítulo: Ga Du e o primeiro de abril.

Não lembro em que ano se deu essa história, sei que minha irmã ainda não trabalhava, talvez estudasse. Logo pela manhã telefonei para ela.

“Alô”.

“Você tá em casa?”

“Tô.”

“Cadê Ga Du? Sabe dizer se ela está melhor?”

“Melhor de quê?” Eu nunca havia dito nada. Fazia parte do set-up da brincadeira causar essa confusão.

“Ela tava um pouco doente e eu dei um remédio. Te como você dar uma olha nela agora?”

Ela foi de pronto. Fiquei na linha imaginando Yhasmin se movendo pelo quintal, assando bem ao lado do buraco da galinha, entrando na minha casa, desviando das coisas jogadas no chão até chegar ao meu quarto onde encontraria Ga Du deitada na minha cama.

“Tô vendo ela.”

“Como ela tá?”

“Parece bem.”

“Ufa, que bom. Tem como fazer um favor para mim?”

“Diga.”

“Veja se a língua dela ainda está verde.”

“A língua dela estava verde?”

“Veja aí.”

Depois de um breve silêncio a voz de minha irmã retorna:

“Tá da cor normal.”

“Graças a Deus. O remédio deve ter feito efeito. Você tem como olhar a bunda dela?”

“Oi?”

“Por que essa doença também deixa o cu do cachorro com cheiro de limão.”

Mais um tempo de silêncio.

“Tá com cheiro de limão não.”

“Tem certeza?”

“Tá não.”

“Ainda bem. Mais uma coisa.”

“O quê?”

 “Primeiro de Abril!”

Nem lembro da reação final dela. Acho que gargalhamos um pouco. E foi assim que em um primeiro de abril eu fiz minha irmã cheirar o cu de Ga Du.

No ano seguinte a brincadeira foi um pouco mais sombria. Eu já trabalhava em meu emprego noturno, chegava à casa da minha mãe por volta das seis da manhã, todos dormiam, e me trancava na casinha anexa com Ga Du até quase o meio dia.

Quando levantava ia até a casa da minha mãe buscar uma xícara de café com leite e uns pães para comer enquanto assistia algo no Youtube. Nessa hora encontrei Yhasmin no quarto dela e falei:

“Você viu a ruma de sangue?” E saí.

Lembrem-se dessa dica quando forem fazer esse tipo de pegadinha: a informação inicial deve deixar a pessoa desnorteada.

Yhasmin, desnorteada, me seguiu para fora da casa.

“Sangue de quê, menino?”

“Do gatinho! Você não viu?”

“Que gatinho, menino?!”

Ela já devia imaginar que era o gatinho amarelo da patinha torta, só não queria acreditar.

“O gatinho amarelo da patinha torta.”

“Mentira!”

“Pois é. Ele deve ter caído aqui no muro e Ga Du pegou ele.” A essa altura do livro você já deveria saber que muro é o quintal e que Ga Du não gostava de quem invadia nosso muro, a exemplo dos ratos.

Minha irmã sabia de tudo isso.

“Ah não! Não acredito” Disse ela, claramente acreditando.

Daí eu contei como foi triste encontrar o corpo do gatinho amarelo da patinha torta, e trabalhoso limpar todo o sangue antes que a mãe visse o ocorrido. Daí fui tomar o meu café com pão.

Quando retornei para deixar a xícara na pia da casa da minha mãe, escutei a confusão: minha mãe brigava com minha irmã, chamando-a de irresponsável por ter deixado Ga Du solta no quintal durante a noite, e por isso ela havia matado o gatinho amarelo da patinha torta da vizinha e mais isso e mais aquilo.

Eu, com toda a tranquilidade do mundo, cheguei perto das duas e falei:

“Primeiro de Abril.”

E assim era a vida com Ga Du. Eu tenho tantas coisas pelas quais sou grato a ela, e uma delas é que, graças a sua existência em nossas vidas, uma vez por ano eu ficava mais próximo da minha irmã.

Coragem para escrever o que se acredita

Coragem para escrever o que se acredita

Eu não tenho muito dinheiro livre para investir em cursos de escrita criativa ou contratar consultorias, leitura crítica, edição ou preparação de texto. Eu recomendo muito que você invista em cada uma dessas coisas (depois de pesquisar muito se aquilo está devidamente focado para a sua necessidade) e eu mesmo gostaria de poder fazer o mesmo. Meu plano ideal é investir nessas etapas todo o dinheiro que eu vier a ganhar com a minha escrita; o plano A é aguardar um momento de melhor estabilidade financeira para eu pegar uma parte do salário e investir sem prejudicar a minha vida ou a da minha parceira.

Enquanto não encontro brechas, vou me especializando da forma que dá: Ouço podcasts de escrita criativa, leio newsletter, fios no Twitter, assisto vídeos e leio livros. Este ano tive prazer de ler dois livros de Austin Kleon sobre trabalhos criativos em geral, e agora estou me dedicando a ler na esteira da academia e nos intervalos do expediente, o livro de Francine Prose: Para Ler Como Um Escritor.

Além de belas mensagens, análises úteis e exemplos práticos a autora apresenta diversas obras que me dão um grande comichão com vontade de ler tudo (boa parte, infelizmente, não está disponível em português). Para Ler Como Um Escritor é dividido em 11 capítulos, cada um dedicado a análise de como grandes autores trabalharam aspectos técnicos em seus grandiosos livros. Diálogo, narrativa, parágrafos são alguns desses temas. Quero falar sobre algo que eu li no segundo capítulo.

Palavras, é o nome do capítulo onde a autora descreve a importância da escolha das palavras, o objeto fundamental das frases e, por consequência, de um livro como um todo. Qual não foi a minha decepção ao me deparar com uma crítica direta ao meu trabalho nas páginas desse livro maravilhosamente divertido? Lógico que a Francine Prose não buscou algum texto meu para me criticar; meus livros nunca tiveram uma compradora de tal quilate. Mas ela criticava algo que eu usei muito nos dois contos publicados (e já removidos) de minha autoria.

Francine usa o primeiro parágrafo de “A good man is hard to find”, de Flannery O’Connor, para exemplificar o peso e a mensagem que cada palavra tem dentro do texto, que não devem ser meras escolhas gramaticais. Depois, Prose analisa o parágrafo e exalta o uso da palavra “tresmalhado” (aloose) que a autora do conto sacou para definir que a personagem fala em um “ritmo (…) de um dialeto local” e não faz uso das “irritantes mudanças ortográficas, omissões dos plurais (…) e à má gramática com que outros autores tentam transcrever a fala regional”.

Notou, cara leitora? É nesse exato momento, nesses “outros autores”, onde eu me encaixo. Os meus dois contos autopublicados (A vaca perdida; O acampamento vazio) fazem uso a doidado dessas irritantes mudanças ortográficas. Logo no início das obras eu exponho os porquês de fazer uso de tais erros gramaticais: marcar vícios de linguagem local, pouca instrução, gírias. Eu me senti arrasado quando li o julgamento de madame Prose sobre a minha obra. A espinha gelou. Me peguei pensando, o livro à minha frente, o que eu faria com a minha obra. Quando eu deixaria de ser um autor de artifícios irritantes? Por sorte, em menos de quinze minutos eu pude retomar a leitura do livro e continuar absorvendo os seus ensinamentos.

Eu abstrai. Não preciso mudar o meu jeito irritante de escrever. Entendam, de modo algum me acho acima de crítica, muito menos um escritor perfeito, porém, não posso abandonar o que eu acredito ser o melhor caminho para a minha obra. Faz parte da essência do meu texto que minhas personagens falem “por mode quê” e “vixe Maria” por mode quê é assim que a gente fala. Digo melhor: é assim que nóis fala. Não que nós, nordestinos, sejamos todos incultos e ignorantes. Essa é apenas a forma de comunicação que eu convivi durante a infância. E convivo até hoje com pessoas que falam “nóis veve feliz” e eu posso com tranquilidade confirmar que vivemos felizes, sim.

Meu maior amparo em aceitar a minha forma de escrever os meus diálogos veio ainda da ideia original de meus contos. Eles nasceram da vontade de escrever histórias em quadrinhos; são basicamente contos de super-heróis. E qual o maior quadrinho nacional? Turma da Mônica com seus icônicos personagens do núcleo do Chico Bento, que se fazem entender e nos divertem com todos aqueles irritantes erros ortográficos.

Outra inspiração direta para minhas obras é o período do cangaço, e eu canso de ler livros que repetem, ipsis litteris, o português truncado do sertanejo que estudou três meses com uma professora itinerante debaixo de uma oiticica. Reportagens de jornal da época também transcrevem em texto os vícios de fala dos cangaceiros. Dessa forma, minhas personagens evocarão a tais textos quando seus erros estiverem nas telas dos leitores de ebooks de vocês.

E ontem, lendo o romance de José Lins do Rêgo, “Os Cangaceiros, abri um sorriso ao me deparar com a expressão “pra qui” dita pela personagem Domício. Pra qui, ou para aqui, se Zé Lins fosse se abestalhar e remover todos os irritantes erros ortográficos de suas obras.

O livro de Francine Prose é maravilhoso e tenho a certeza de sair um escritor melhor cada caminhada na esteira. Dele irei tirar inúmeras lições, aplicar umas tantas e deixar outras maturando. Fico pensando, a cada novo conselho sobre escrita, os vários ‘evite’ e ‘não faça’, sempre há alguma grande escritora que não evitou e fez muitas vezes. Quem sabe não seremos nós a fazer, dessa vez?

Obrigado pela leitura.

O Cachorro Mais Caro do Mundo

O Cachorro Mais Caro do Mundo

Hoje eu resolvi dar o pontapé inicial em um projeto há muito tempo parado na gaveta.

Trata-se de um livro de memórias onde eu irei registrar os melhores momentos que vivi ao lado de uma cachorrinha maravilhosa chamada Ga Du.

A maior intenção do livro é deixar registrado para o mundo a passagem de Ga Du. Fazer com que, nem que seja de através de algumas linhas, vocês possam compartilhar da companhia dela. Além de prestar-lhe uma homenagem mais do que devida.

Minha ideia é publicar pelo menos um capítulo por mês. A obra não seguirá ordem cronológica em seus capítulos, exceto pelo nosso encontro e pela nossa despedida, posicionados no início e no final do livro, respectivamente.

Estou com um outro capítulo já escrito, pretendo revisá-lo e lançar assim que escrever o seguinte, para manter o ritmo de publicações.

Apesar de ser uma história com desfecho trágico, no pior estilo das tragédias gregas, nesse texto eu irei colocar em prática os meus conhecimentos de humor. Grande parte desses conhecimentos, se não todos, foram adquiridos através do podcast Curso de Humor, de Vinícius Antunes (@cacofonias). O projeto já aparenta constar-se inscrito na lista de podcasts abandonados, porém os episódios já publicados (uma temporada completa), dão noções básicas sobre técnicas para fazer rir.

Call back; Setup; Punch. Como usar uma repetição, como usar o exagero. Como repetir algo até ficar engraçado. E tudo isso sem parecer exagerado, claro.

Enfim. O link para o meu Wattpad é esse aqui: Vinicyus Bezerra.

O link direto para o ebook é esse aqui: O Cachorro mais Caro do Mundo.

Se você quiser ver algumas fotos da minha amiguinha, Ga Du, visitem o meu Instagram, ele está ali no cantinho. As fotos com ela estão bem para o início, vocês terão de rolar bem a página.

Mais uma vez, obrigado pela leitura. A gente se vê novamente em breve.

Ps. De brinde, vou acrescentar algumas fotinhas de Ga Du aqui, para agradecer de verdade a sua visita.

Bíblia combina com você?

Bíblia combina com você?

Já vou confessar na primeira linha: o título é uma provocação proposital.

A bíblia a que me refiro não é propriamente A Bíblia. Com B maiúsculo.

Falo de um recurso usado por produtores em projetos criativos, onde geralmente muitas pessoas estão envolvidas. Criar um personagem é complicado, mas e mantê-lo fiel? É nesse tipo de trabalho e com essa problemática que se torna necessário o uso de uma bíblia.

Uma bíblia nada mais é do que um texto de referência para consultas futuras.

Nela ficam arquivadas as características mais marcantes de um personagem. A sua essência. É uma ferramenta de consulta. Aqui alguns exemplos no site tertulianarrativa.com.

O assunto bíblia veio a minha mente quando eu li uma matéria recentemente veiculada sobre o personagem Will Byers. O site citava que a bíblia o definia como um garoto com uma sexualidade que não era bem encarada na década da série. No link anterior você também pode baixar a bíblia de Stranger Things e perceber que, além de traços da personalidade das personagens, a bíblia da série traz referências visuais.

Eu já conhecia o conceito. Em um podcast do Portal Deviante, o Spin de Notícias, a Jujuba (@jujubavi) uma vez deu uma verdadeira aula sobre o uso das bíblias na produção de uma animação, expertise da podcaster. Pelo que eu entendi do conceito que ela explicou, na bíblia você traz os mínimos detalhes de um personagem e como ele reage a diferentes interações. Não apenas por ser um livro que deva ser seguido a risca, o processo recebe o nome de bíblia também por causa do seu tamanho físico.

E o que um escritor de literatura tem a ver com isso?

Depende do tipo de escritor que você seja. Ou do tipo de obra em que você trabalha. Vou me usar como exemplo prático.

Fora-das-Leis é uma série onde pretendo envolver os mesmo personagens em contos e romances, quem sabe um podcast, e se a vida for muito boa, alguns quadrinhos. Pretendo escrever a série por uma bom tempo, tanto quanto Hergé e Tintim, ao menos. E entre um projeto e outro eu poderei ter uma lacuna improdutiva ou trabalhar em projetos não relacionados.

Então, se você é um escritor como eu, ou ainda, se você pretende escrever sagas gigantes em tempo/espaço e personagens como um certo George, uma bíblia quebraria o seu galho tanto quanto o meu.

Como lembrar que sua personagem é canhota ou tem fobia de ratos? Ou que são duas personagens diferentes? Meter o velho CTRL+F em todos aqueles PDF tentando não deixar escapar ou centralizar uma referência importante em um arquivo só?

Acho que você percebeu qual resposta eu tentei influenciar você.

Uma bíblia para o nosso caso pode ir desde um perfil resumido a uma extensa biografia. Nada exagerado ao ponto de se transformar em uma obra, claro.

Alguns aplicativos de escrita podem auxiliar a você. Não lembro o nome do que eu usei, mas havia uma seção de perguntas, várias abas separadas por assuntos, um verdadeiro dossiê para a personagem em forma de perguntas onde você pode responder. Medos, traumas, eventos notáveis, inimigos, cicatrizes, cidade natal, peso e altura, entre outros. Lembro que eu pulei muitas perguntas pois não eram essenciais para minha história e abandonei o aplicativo pelo simples fato de ele não trazer a opção de exportar os personagens criados para outros projetos, tendo que criar os novos perfis para cada projetos. Cheguei a sugerir ao design o acréscimo dessa opção para auxiliar os escritores de sagas, ele me respondeu agradecendo a sugestão e confirmando a sua utilidade, porém não cheguei a acompanhar a atualização.

Outros recursos bacanas que eu ouvi em um podcast (tô esquecido demais gente, desculpa, mas quase certeza de que foi no Curta Ficção) de um projeto de site na internet onde autores respondem a uma entrevista como se o entrevistado fossem suas personagens. Por favor amigos e amigas, caso vocês saibam do que site estou falando me ajudem a linkar aqui, não tive sucesso pelo google.

Esse esquema de entrevistas poderia ser útil para você também. Faça algumas perguntas e “envie” para as suas personagens principais. peça a opinião delas sobre outras, sobre certos temas tratados na história, etc.

E uma Wikia?

Olha, esse é o meu objetivo. Eu gosto muito de consultar wikis. Quase sempre busco o nome de uma personagem de TV ou livro seguido da palavra ‘wikia’ para conseguir acesso a essa base de dados organizada. Muitas vezes eu vou buscar informação para lembrar “Quem é esse cara?” e dou de cara com a informação “Status: Deceased”. Acontece. Só me resta fazer a cara do pikachu surpreso.

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Eu pretendo alimentar minha própria Wikia, vai servir tanto de consulta para mim quanto vai instigar os leitores a conhecer outras obras relacionadas. Pois o meu plano é um pouco peculiar: os contos não possuem ordem de leitura, então eu pretendo encher de referências na página para que a pessoa que leu um conta tome conhecimento dos outros. Não é legal?

Eu tinha ainda o objetivo de finalizar o texto com um exercício meu, então vi o contador de palavras e resolvi deixar o exercício para uma futura parte 2 sobre o tema.

Agradeço por ter lido até aqui, o que você acha de compartilhar suas experiências também? Nos vemos em breve.

O que aprendi com Pedra Bonita

O que aprendi com Pedra Bonita

Esse ano eu ganhei de presente pelo meu aniversário um maravilhoso Kindle. Com ele recebi a oportunidade de ler, entre outros livros, Pedra Bonita, de José Lins do Rego.

Meu primeiro interesse era ler Cangaceiros, do mesmo autor. Porém, ao ler as resenhas na internet, descobri que este é a continuação daquele. Então fui atrás de Pedra Bonita.

Cangaceiros é o último romance lançado por José Lins do Rego. Entre ele e Pedra Bonita há quatro romances. Eu estou ansioso para por as mãos em Os Cangaceiros para me deleitar no estilo de José Lins do Rego em sua forma final.

A Pedra Bonita do título é uma formação rochosa no interior do sertão de Pernambuco, palco do terrível massacre ocorrido em 1838 quando um “beato” matou mulheres e crianças para trazer de volta à vida Dom Sebastião e restaurar a monarquia no Brasil.

Eu conheci esse fato através do maravilhoso romance de Ariano Suassuna: O Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.

As rochas cravejadas de malacachetas são descritas como as torres de uma igreja e depois como as de um castelo, sede do futuro reinado de Dom Pedro Diniz Quaderna. A obra é maravilhosa. Ler A Pedra do Reino é uma jornada longa que vale cada momento.

As duas obras – a de Suassuna e a de Lins do Rego – guardam semelhanças além da formação rochosa presente no título e na capa. Digamos que os dois protagonistas, Diniz em Taperoá e Bentinho no Açu, tem relacionamentos complicados com o ocorrido na pedra. Com o massacre.

Aconselho a você ler as duas obras.

Por hora, vamos nos focar em Bentinho. No Vale do Açu. Na obra de José Lins do Rego.

O livro tem linguagem fácil. É leve. Cinquenta minutos de leitura passam voando. Os personagens são vivos. Interessantes. Seus dramas são cotidianos – ao menos no nível cotidiano de uma cidade do interior do sertão nordestino no século XX.

O mais gostoso é a forma como o autor escreve. As frases são curtas. As orações são simples. O discurso é direto. Ele não teme se repetir para se fazer entender uma ideia. Não teme repetir uma frase. Mantém as ideias simples. Apesar de parágrafos longos. Pelo menos as ideias são simples. E as frases são curtas. Eu achei muito gostoso a forma como o autor escreve.

Outro diálogo entre as duas obras supracitadas é a relação dos textos com a expressão oral do nordestino. Suassuna faz muito uso do texto teatral, e por vezes em sua leitura eu me peguei impondo ritmo e melodia nas falas das personagens. Apesar de ir por outro caminho, Lins do Rego presta uma valiosa homenagem aos cantadores, vates e repentistas.

Me marcou e eu gostaria que você também levasse consigo é o valor da ideia simples para a construção de um texto grandioso. E das frases curtas.

 

Comparações

Comparações

No dia do escritor, dia 25 de julho último, Rob Gordon publicou em seu Twitter um fio de mensagens com dicas para escritores. Entre elas uma que me chamou a atenção e se liga bem com esse texto é a de ler de tudo, inclusive o que é ruim, para saber identificar o que é bom.

Em meu último aniversário recebi de presente da minha conje um dispositivo Kindle. Junto ao aparelho ganhei também o acesso a três meses de Kindle Unlimited, programa da Amazon que oferece uma série de livros variados para ler à vontade, pagando apenas uma mensalidade.

Aproveitei meu período para ler clássicos como Harry Potter e Pedra Bonita. Também li dois livros que usarei como referências para minha obra: Raspando o Tacho e Cangaceiros.

Numa onda de ler e prestigiar o mercado nacional e autores contemporâneos, eu li obras de Jana Bianchi, Fábio Barreto e do acima citado Rob Gordon.

E também li coisa ruim. (Claro que não vou citar aqui)

Mas como falou o mestre, de tudo se tira uma lição. De um livro em específico notei que o autor exagerou nas comparações usando o termo ‘como’.

p.ex.: O coração de X saltava como um sapo atingido por pedras de sal.

Quando percebi esse vício do autor busquei eu mesmo alterar as comparações que ele criava, mudando a estrutura do texto a cada passada de vista. Um exercício interessante e altamente recomendado. Agora eu tenho outra visão e minha técnica com certeza se tornou mais refinada que antes de ler o livro que eu não gostei tanto.

Reformulando o exemplo acima:

Se jogassem sal em um sapo ele não saltaria com mais intensidade que o coração de X.

O coração de X era um sapo com sal nas costas: saltando descompassado e louco.

X já não sentia mais um coração em seu peito; haviam substituído o órgão por um sapo tentado escapar do sal em suas costas.

Naquele momento, o coração de X não perderia nenhuma competição de saltos contra um sapo.

Enfim. O post não saiu como o planejado, em cima da hora resolvi usar um exemplo aleatório em vez de colocar a citação usada no livro. Temi deixar óbvio por demais a identificação e acabar magoando alguém. Daí hoje a tarde eu vi um sapo bem feio, e a imagem não saiu da minha cabeça, hehe.

Se você conseguiu pensar em mais uma forma de descrever um coração palpitando usando um sapo descontrolado como metáfora, eu ficaria muito lisonjeado em ler suas ideias.

Espero que tenha servido para você. Logo mais sai livro novo meu (no Kindle Unlimited).

Até a próxima e muito obrigado por mais essa.

Procrastinar até esquecer tudo

Procrastinar até esquecer tudo

ou Por que eu preciso escrever mais

Meu avô, na data em que escrevo isto, se encontra internado em um hospital devido a um AVC. Esse fato motivou a vinda de um tio e uma tia minha, filho e filha dele. Irmão e irmã de minha mãe.

A mãe deles, vovó Nilza, a mesma criadora do Método Nilza de Contar Histórias (como explicado no meu livro não lançado “O Cachorro Mais Caro do Mundo”), foi casada um certo tempo com esse senhor.

Eu nunca tive contato com ele. Minha mãe nunca o perdoou por ter sido abandonada com mais 4 irmãs enquanto ele formava uma nova família com uma tia de minha mãe, irmã de minha avó.

Depois de um tempo, minha avó mudou-se para Manaus. Fiquei sem avô e sem avó. Mas quando eu fiquei sem pai tive a oportunidade de conviver com a vó Nilza.

Foi apenas um ano. Eu não fui um neto tão amoroso quanto ela merecia.

O ano foi conturbado. Muita coisa num ano só. Eu me lembro algumas. Ela não se lembra nada.

Hoje vó Nilza está afetada pelo mal de Alzheimer. É uma senhora bonita e bem cuidada. Mas da última vez que nos vimos eu tinha que me identificar a cada novo encontro, quando cruzávamos pela casa.

Eu lembro de como ela era divertida e brincalhona. Quando me pedia para buscar-lhe um dindim, falava: “eu quero um D-O-M-D-O-M.” Soletrado visivelmente errado, só para me fazer graça.

Lembro de ela me apresentar o cupuaçu, desde então a minha fruta favorita. Ela trouxe para casa aquela fruta estranha, de casa dura. Quebrou-a, separou as sementes e as despolpou com uma tesourinha de aço. Depois preparou uma sobremesa gelada com leite condensado e creme de leite. Creme de cupuaçu.

Lembro de ir com ela para a feira aos domingos. Eu comprava pastel misto: queijo, presunto e ovo cozido. Ela comprava os materiais para o almoço, aguardando a chegada de meu tio para colocar o peixe na brasa.

Lembro de ajudá-la a confeccionar as bonecas dorminhocas. De lã. Ela cortou os moldes em papelão, me entregou os novelos e ensinou como enrolar o fio nos moldes e cortar. Depois ela montava as bonecas e encaixava as cabeças de plástico.

Lembro de irmos a um orelhão, no fim dos domingos, ligar para uma vizinha para falar com minha mãe. Íamos vovó, minha irmã e eu. Passávamos por um igarapé. Pela feira desmontada e os restos de legumes. Eram dez minutos de interurbano Manaus-Mossoró.

Lembro de ajudar a tomar conta da venda e de conferir com ela os pedidos da Avon.

Um dia ela deixou cair um perfume. Quando cheguei da escola tomei um susto com o cheiro pela casa. Ela dizia que não estava sentindo cheiro nenhum. Fiquei bolado. Graças a Gugu Liberato eu morria de medo de Nossa Senhora. E seus contatos eram precedidos pelo aroma de flores. De tanto eu aperrear ela confessou.

Uma vez eu estava tomando conta da venda e ela foi à sede da Avon. Naquele dia ela foi atingida por um carro. Ficou internada. Era o acidente de meu pai tudo de novo.

Mas não foi. Uma noite ela veio para casa. Ficou de cama. Voltou a andar com uma bengala.

Um tempo depois eu parti.

Cheguei na casa dela e vi a maior árvore de natal da minha vida. Naquele ano eu ajudei a desmonta-la. Dezembro veio e eu ajudei a montar. Quando saí de lá, a última foto que tirei ao lado dela foi em frente à árvore.

Certo dia, antes do acidente,minha irmã, um bebê, estava com o peito chiando. As duas tias no trabalho. Fomos os três ao posto de saúde. Ficamos a manhã toda até atenderem minha irmã. Chegamos na hora do almoço. Vovó foi rápida, preparou batata frita, bife, abriu um refrigerante.

Eu lembro desse almoço. Ela não lembra daquele ano.

Mesmo se não fosse pelo Alzheimer aquele ano não a teria marcado tanto.

Eu tinha 10. Aquele ano era equivalente a um décimo da minha vida. Ela tinha umas seis boas décadas a mais. Criou 5 filhas só. Mudou de Estado. Aquele foi apenas mais um ano.

De vez em quando eu paro e penso quanto dos genes dela eu carrego. Se o Alzheimer já está comigo. À espreita. E digo para mim mesmo: O que me impede de contar para o mundo tudo que eu quero?

Uma hora eu vou esquecer todas essas histórias. Vividas ou criadas.

E você?